COMPORTAMENTO

Roupas iguais e até trejeitos: como lidar com pessoas que tentam nos copiar?

Especialista explica que a imitação faz parte da construção de nossas identidades, mas há limites


Publicado em 27 de novembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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Tudo começou antes mesmo de dividirem a mesa de trabalho. No exame de admissão, Karina e Amanda (nomes fictícios) se encontraram, descobriram que iriam trabalhar no mesmo setor de uma multinacional e viram que compartilhavam de gostos muito semelhantes. Seria, aparentemente, o início de uma bela amizade. Mas as atitudes de Amanda chamaram a atenção de Karina já no primeiro dia no serviço, quando a colega passou a copiar não só algumas características dela como também a forma de se comportar no novo ambiente.

“Foi tudo muito rápido. Ela pediu para chegarmos juntas no primeiro dia de trabalho. Isso não chegou a me alarmar. Eu carregava bolsinhas para guardar coisas diferentes, como canetinhas, post-its e objetos de higiene pessoal. No dia seguinte, a Amanda passou a fazer a mesma coisa. Quando postei nas redes sociais uma frase de ho’oponopono, que é uma meditação havaiana, ela imediatamente me mandou uma mensagem perguntando o que era aquilo. No outro dia, ela postou o material como se fosse dela”, relata Karina.

A gota d’água foi quando Amanda, que, naquele primeiro encontro na clínica de medicina do trabalho, havia dito ser evangélica, repentinamente mudou de religião, passando a ser adepta ao candomblé, do qual Karina era praticante. “Parecia uma imitação. Para ela, era algo natural, pois não me falava nada. Mas eu estava profundamente incomodada e demorei a falar disso com ela, porque poderia parecer uma implicação minha, já que a Amanda não parava de dizer que me admirava como pessoa e profissional”, desabafa.

Esse comportamento imitativo é muitas vezes relacionado à inveja e, em alguns casos, pode revelar um problema de saúde mental. No cinema, o filme “Mulher Solteira Procura”, lançado em 1992, aborda o tema numa chave de thriller de suspense, após a protagonista anunciar no jornal que gostaria de dividir o apartamento. A pessoa escolhida aparenta ser dócil, mas gradualmente passa a ter uma grande obsessão pela outra, a ponto de repetir o mesmo corte de cabelo e roupas, como se quisesse tomar sua identidade.

Doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, Cláudio Paixão Anastácio de Paula observa que copiar as ações e escolhas de outra pessoa não é algo necessariamente ruim. “Depende da intensidade dessa cópia e da forma como ela se dá”, registra. Ele lembra que faz parte da formação de nossas identidades, em que “eu me construo pelo olhar e pelo olhar de todo mundo que convive comigo”, num processo que acontece a partir dos primeiros anos de idade.

“Isso começa lá atrás, quando eu ainda sou criancinha e o cuidador começa a traduzir o meu comportamento em palavras. Então eu faço uma caretinha qualquer, e a outra pessoa fala ‘Olha, ele está sorrindo!’. Geralmente é uma reação reflexa a determinada experiência prazerosa ou uma reação emocional, e a pessoa decodifica aquilo como um sorriso e ri de volta para mim. Funciona como um espelho e, ao ver aquilo, eu vou associar coisas e começar a juntar e conectar informações, construindo desenhos. Assim, eu me construo olhando o outro”, salienta.

Por isso, afirma o professor, não é incomum uma pessoa imitar a outra, sendo muito presente nas fases da infância e da adolescência. “Se eu vejo no outro coisas que eu gosto, eu copio. Faz parte da busca de reconhecimento do outro e de meu reconhecimento no outro. Quando adolescente, se eu gosto de uma banda de rock, eu passo a me apresentar como um dos caras desse grupo. Eu costumo brincar que, na época em que eu fazia algumas disciplinas na Fafich durante o mestrado, tinha um monte de Raul Seixas. A pessoa vive com a cara de Raul, mas depois descobre a forma dele”, destaca. 

Inveja pode ser 'boa', diz psicólogo

A palavra “inveja” tem um peso muito negativo, especialmente na sociedade brasileira, mas Cláudio Paixão salienta que construímos a nossa identidade a partir do que ele chama de “inveja boa”. “Muitas vezes, vejo no outro algo que gosto muito, o que me causa certa inveja, que não é ruim se for algo como: ‘Putz, que legal, quero ter algo igual’. A inveja ruim é quando desperta a cobiça, o desejo de tomar do outro o que ele tem”, diferencia.

Ele explica que a atitude de copiar os outros começa como uma forma de idealização, citando como exemplo o filho adolescente, que nunca gostou de atividade física. “Mas, ao ver o amigo fazendo academia e ficando forte, ele passa a gostar, copiando não a roupa, mas o comportamento dele. Ele passa a canalizar um sentimento de que ‘se o outro conseguiu, eu posso também’”, assinala.

A imitação passa a ser um problema, segundo o professor, quando as regras não são claras. “Depende muito da forma como é feita. Às vezes, você não precisa avisar o outro que vai comprar uma roupa igual, naquela mesma loja, mas tem que prevalecer o bom senso. Você não vai com a roupa nos mesmos lugares do outro, se não vai ficar parecendo um par de vasos”, sugere.

Ele avisa que, em alguns casos, a imitação pode ser um problema de saúde mental, originada da falta de autoestima. “O ser humano é complexo. Pode ter dado algum ‘bug’ em algum lugarzinho, tendo que construir outra imagem para conseguir se relacionar com os outros, desenvolvendo uma inveja patológica. Mas não é o mais comum. Na maioria das vezes, a pessoa copia porque admira o outro”.

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